Movimento negro & Negros em movimento
Pois
bem, estamos iniciando num emprego novo, escola/universidade ou só
um ciclo novo de amigos e logo alguém pergunta: E você, o que faz
fora daqui? A resposta é importante, porque precisamos nos
posicionar e mostrar que existimos. Então com um suor frio no pescoço e imaginando o que virá depois, você responde: Sou
militante do movimento negro. A partir dessa afirmação as reações
esperadas são quase sempre as mesmas:
1-A
pessoa vai passar a te olhar com um olhar desconfiado, como se você
fosse ataca-la a qualquer momento. Vai agir com você na defensiva e
sempre se posicionar como “ não racista”, mesmo sem saber
direito o que significa isso, vai achar que é bom garantir pra
evitar qualquer mal entendido. E parir daí, sempre quando for falar
alguma coisa com você irá começar a frase com “ Não sou
racista mas”. O pisca alerta da pessoa fica ligado, e o seu
também.
2-
Vai te fazer milhões de perguntas, e tentar entender resumidamente
oque quer dizer a frase que você acabou de dizer. Vocês são
contra brancos? Tem reuniões secretas? Posso frequentar? Tem Partido
envolvido? Pra que serve ser militante do movimento negro?. A
curiosidade vem do buraco profundo que a história mal contada dos
negros brasileiros nos colocou. A ansiedade toma conta e, pro bem ou
pro mal, a curiosidade rende longas conversas, explicações e
convites. Pode acabar numa amizade profunda ou num afastamento
sintomático.
3-
Agirá sempre na defensiva e criticará o movimento negro dizendo
como nós devemos agir e o que devemos e não devemos reivindicar.
Tudo isso baseado no que a pessoa acha que é um movimento negro e o
que acompanha divulgado pela TV. Normalmente não quer conversar, só
ensinar e se defender, afinal para quem age assim, somos um risco.
Quem
é militante do movimento negro sabe que normalmente as reações são
estas e independe da etnia da pessoa . Raras são as vezes que as pessoas encaram de
uma maneira normal, e mais difícil ainda é encontrar um irmão de
luta que venha à somar nesse caminho tão longo que trilhamos.
Muitas vezes essa dificuldade em encontrar irmãos de luta vem pela
não identificação pessoal de “militante do movimento negro”.
No texto anterior fiz algumas colocações básicas sobre o que é
ser uma “militante”, agora irei fazer as mesmas coisas mas
aprofundando dentro da negritude que gera sempre uma grande tensão.
Essa tensão gerada quando nos posicionamos acontece entre pessoas
negras e não negras, por motivos bem diferentes que vou explicar em
outro post, aguardem.
E
nas redes
sociais?
Quando
adicionamos uma nova pessoa em nossa rede, as elas se assustam com o
volume de denuncias que fazemos e que antes na vida dela esses
problemas nem existiam. Normalmente a primeira reação é de negação,
irão acompanhar seus posts até não conseguirem mais segurar e vão
te dizer que você esta exagerando e transformando sua linha do tempo
num lugar ruim de visitar ou vão simplesmente dizer que suas
atualizações deixam o dia dela mais triste, e quer que você pare!
Quando as pessoas passam por essa primeira reação de negar a
existência do racismo e depois de rejeitar saber da existência
dele, há dois caminhos distintos que as pessoas tomam:
1-
Não irão procurar nenhuma informação além daquelas que você
posta e ela passa os olhos, mas irão te classificar como chata,
exagerada, radical .Além de ignorar seus posts irão fazer questão
de confrontar suas ideias com postagens contrárias.
2-
Irão entender que você esta fazendo o possível pra tornar visível
algo que não aparece em outros lugares, vai se sentir estranha por
nunca ter percebido antes o que acontecia e vai começar a se
informar. Se isso acontecer, parabéns, você conquistou um militante
pra causa.
As
pessoas normalmente procuram as redes sociais pra descansar os olhos
e a mente da vida, então preferem compartilhar músicas que
consideram bonitas, flores, poesias e piadas. Então quando um
ativista resolve usar a rede pra algo que julga útil, as pessoas que
estão for desse ciclo se sentem agredidas, incomodadas. È
completamente normal se incomodar, aliás, se isso acontecer os
militantes estão fazendo um bom trabalho. Acomodar-se dentro de um
sistema de exclusão não é uma boa ideia, mas se você não esta
mesmo a fim de ler qualquer coisa que tire seu descanso mental, basta
ir lá nas configurações e não receber mais as atualizações
desses militantes chatos que atrapalham a visualização de suas
poesias e flores. Mas,
se você esta lendo esse texto é porque de alguma forma, qualquer
uma que listei ou que não compreendi ainda, você esta a fim. E se
esta a fim, vamos ao básico. Os questionamentos que tento responder
abaixo, são as perguntas mais frequentes que eu ouço desde que me
apresento como militante do movimento negro.
Oque é o movimento negro?
Na
escola passamos bem de raspão sobre a existência de negros no
Brasil e quase sempre fica em nossa memória apenas a escravidão, e
a suposta submissão destes povos. Na mídia também não temos
diversidade o suficiente para entender quem foram. e quem são a
população negra do Brasil. Por isso para a maioria das pessoas
existe uma lacuna gigantesca que impede o entendimento rápido sobre
um movimento politico criado e protagonizado por negros. Sempre houve resistência negra, por isso o
“movimento negro” brasileiro começou quando os primeiros negros
e negras se agruparam para resistir à escravidão usando a
quilombagem
entre
os séculos 16 e 19 e
todos os levantes organizados para combater o racismo. E é possível
identificar essa resistência em diversos períodos da nossa história
, organizados por anônimos ou por figuras reconhecidas na história
negra onde Dandara e Zumbi dos Palmares com certeza são as figura
mais emblemáticas.
Com
o fim da escravidão em 1888, a resistência negra continuou e foi
tomando outros formatos acompanhando os avanços do país. Em 1930
surgiu a um grupo politico chamado Frente
Negra Brasileira, que tinha planos de lutas organizadas,
participação ativa de mulheres e foi uma das organizações mais
importantes do Brasil na primeira metade do século XX. O foco da
Frente Negra Brasileira era adequar as pessoas negras dentro da
sociedade branca, proposta importantíssima para a época. Durante a
ditadura foi impossível continuar como um grupo oficial e sólido,
então logo a frente negra se esparramou montando novas estratégias
de resistência. O
movimento negro, enquanto proposta política, só ressurgiria 1978,
quando um ato público organizado em São Paulo contra a
discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas
Tietê, deu origem ao Movimento Negro Unificado Contra aDiscriminação Racial (MNU).
MNU em 1978 na escadaria do Teatro municipal, São PAulo |
A
data, posteriormente, ficaria conhecida como o Dia Nacional de Luta
Contra o Racismo. Muitas pessoas já ouviram falar do MNU e acreditam
que a luta do movimento negro parou aí, o que não é verdade. Hoje
acredito que é mais adequado falarmos em movimentos negros, porque
são vários grupos com as mais diversas divisões. Hoje o
movimento negro teve seu papel ampliado não se resumindo apenas à
denuncias de racismo e formas de adequação à sociedade, mas o
movimento negro se faz presente exercendo
um papel educativo e mantenedor das peculiaridades e identidades
negras.
Feito
um breve levantamento do que é o movimento negro, podemos concluir
que o pensamento e as ações da população negra acompanham as evoluções sociais muitas vezes se colocando à frente de seu tempo
nas reivindicações, e sempre marcando presença frente a
desvantagem em relação as pessoas brancas, mesmo no período militar onde não se podia protestar.
O
que significa ser um militante do movimento negro?
È
muito difícil traçar um significado que seja igual para todos, mas
acredito que no geral quem se identifica como militante do movimento
negro deseja, trabalha em favor e constrói a igualdade racial.
Existem muitas maneiras de realizar esses “desejos”, uma delas é
procurar um movimento negro e frequentar as reuniões, ler, estudar
sobre o assunto e juntos acharem uma maneira de protestar e encontrar
estratégias de defesa frente o racismo do dia a dia. Há pessoas
que não gostam de fazer parte de grupos, então militam sozinhas,
mas apoia os grupos maiores e as vezes participa de eventos juntos.
Algumas pessoas não se identificam como militantes do movimento
negro porque se identificam mais com outros grupos mas entendem
necessidade e urgência da igualdade racial e por isso militam em
favor da causa negra dentro dos seus grupos ( partidos políticos, igrejas, ONGs) ou só se posicionam contra o racismo e não admitem
que nenhuma forma de racismo aconteça em sua presença, isso também
é militar.
Existem pessoas que acreditam que movimentar-se sozinho
é melhor e que sendo negra e melhorando sua própria vida servirão
de representação para outros negros que estão ao redor, até
apoiam os agrupamentos negros mas não quer se envolver e prefere
agir dentro do seu núcleo, conscientizando os primos, filhos, irmãos
sobre racismo e como é ser preto no Brasil S e você pensa e age
desta maneira estando consciente de que vivemos numa sociedade
racista que nos exclui, parabéns você é um militante e nem sabia.
Todas estas formas que citei são importantes manifestações e
ações que indicam vontade de mudança, a única diferença destas
pessoas que estão em favor da igualdade social para quem milita
dentro de um movimento negro organizado, é o apoio, acolhimento que
sozinhos muitas vezes não conseguimos e em grupo encontramos outros
iguais para dividir nossas angustias. Outra diferença é que
trabalhando em grupo as ações se tornam maiores, mais visíveis e
só em grupo é possível fazer pressão contra uma dominação
ideológica que parte do próprio estado.
O
que é a Marcha que acontece no dia 20 de novembro?
A
primeira vez que aconteceu um ato para organizar a população negra
nas ruas foi em São Paulo, ainda durante a ditadura, em frente ao
teatro municipal. Os militantes que organizaram essa primeira marcha
tiveram telefones grampeados e foram perseguidos. Muitas foram as
caminhadas, marchas e protestos contra racismo até que fosse
declarado um dia especifico pra juntar todas as frentes do movimento
negro e ir juntos pra rua. O dia escolhido para a marcha foi o dia
20
de Novembro porque na mesma data em
1695, Zumbi, último dos líderes do Quilombo dos Palmares – maior
e mais duradoura resistência à escravidão no Brasil -, era preso e
decapitado pelo exercito português. Em 1995, depois de 300 anos de
seu assassinato, Zumbi é oficialmente reconhecido pelo governo
brasileiro como um herói nacional. É realizada nesse ano, no dia 20
de Novembro, reunindo em Brasília, a Marcha Zumbi dos Palmares -
contra o Racismo pela Igualdade e a Vida.
A partir disso todo dia 20
de novembro os movimentos negros, outros grupos ( sindicatos,
igrejas, mulheres, gays etc) que querem o fim do racismo e pessoas
comuns marcham contra o racismo. Portanto, a marcha é o momento de
celebrar a memória de Zumbi e Dandara, heróis do povo brasileiro ao
mesmo tempo que nos colocamos visíveis para a população em geral
refletir sobre o racismo.
A
Marcha parece importante, todos os negros participam?
O
movimento negro é feito por muitos negros em movimento agindo
juntos, e muitos não negros apoiando. A marcha é um evento
importantíssimo mas infelizmente muitas pessoas não participam e os
motivos são vários. Muitas pessoas nunca ouviram falar da
existência de um movimento negro, e nem que existe uma marcha contra
racismo, muitas outras já ouviram falar mas não saber como fazer
para participar, é chato chegar num lugar sem conhecer ninguém né?
Esse tipo de coisa acaba afastando as pessoas que não sabem direito
o que é ou nunca ouviram falar. Dentre as pessoas que ouviram falar
e até acompanham algumas coisas nas redes sociais, há quem não
goste de ir as ruas por medo de se expor, preferem acompanhar de
longe e sempre arrumam uma desculpa psicológica pra não ir na
marcha ( vai chover, tá frio, é muito longe, o primo do cunhado do
meu vizinho pode passar e eu preciso estar aqui.), e tem muitas
pessoas que não concordam com ela, por isso não vão. Há também
pessoas, grupos e entidades que sabem que a marcha existe, apoiam,
mas não aparecem no dia da Marcha para demonstrar publicamente o
apoio a população negra, porque será?
Ser
militante a favor da causa negra é ir contra brancos?
No
Brasil o racismo acontece sempre de brancos para negros. Isso
acontece porque o racismo é na estrutura da sociedade, é herança
da escravidão e não tem como rlativizar isso. Existem pessoas
negras que não gostam de pessoas brancas, mas estas pessoas negras
não tem poder social para transformar esse “ não gostar” em
racismo que exclui e separa as pessoas brancas. E nãao vale dizer:
“Ah fui numa festa onde só tinha pessoas negras e fui excluidapor ser a única branca de lá, os negros foram muito racistascomigo!”. Você foi num evento e quando se sentiu mal voltou pro
mundo onde você se vê representada o tempo inteiro e pronto,
sentiu-se em casa. As pessoas negras sofrem racismo o tempo inteiro
no seu mundo e quando vão tentar sentir-se em casa você vai lá e
quer ser paparicada? O racismo no Brasil esta relacionado a
estrutura de poder e quem tem poder é o branco. Quando se
milita pela causa negra, a principal reivindicação é igualdade de
tratamento social. Porque não somos tratados com respeito em praticamente nenhum espaço de convivência social. Sabe aquela parte
da constituição onde diz que todos somos iguais? Nós lutamos pra
tornar isso verdade e isso significa reivindicar exatamente o mesmo
tratamento dado aos brancos, mas como a maioria das pessoas brancas
sabe ou sente que tem privilégios, eles costumam achar que queremos
roubar esses tais privilégios, mas queremos só igualdade.
O
movimento negro é machista e homofóbico!
Essa
acusação é a mais comum feita para afastar as mulheres negras de
dentro do movimento negro. O movimento negro é feito por pessoas que
vivem numa sociedade machista e patriarcal e cabe a nós desconstruir
os malefícios causados por ela. Nenhum movimento é perfeito, mas se
movimenta e muda de acordo com as influencias.que sofre Não é justo
apontar um dedo para uma organização como se esse problema fosse
exclusivo dela. O movimento negro se renova e avança de acordo com
as demandas e claro, quanto mais pessoas diversas se identificarem
com o movimento negro, mais plural ele irá ficar. Se afastar e
apontar os erros não ajuda, fazer vistas grossas também não, por
isso nós estamos sempre indo pro debate. E é perfeitamente
possível montar um grupo apenas de mulheres, apenas de lésbicas
negras e atuar dentro do movimento negro.
Por
que militantes do movimento negro usam roupas diferentes, engraçadas,
turbantes e coisas que remetem à Africa?
Nós
entendemos que somos parte africanos. Temos a nacionalidade
brasileira porque os fatos históricos assim quiseram, mas nossos
ancestrais, que deram nossa cor de pele, cabelo e costumes culturais
vieram da Africa e como n[os vivemos numa sociedade que nos ensina
muito bem a celebrar a nossa parte branca, que a maioria de nós tem
por causa da miscigenação, nós achamos justo e saudável
equilibrarmos buscando nossas origens africanas. A intenção não é
ser exótico e nem chocar a sociedade, mas nos identificarmos
enquanto grupo “afrocentrado”, e esses acessórios, por não
fazer parte da nossa cultura porque ela é eurocêntrica, sempre
favorece uma boa conversa sobre ancestralidade e africanidade
brasileira. Dentro do movimento negro não há nenhuma regra sobre a
vestimenta, quem não se identifica com turbantes e roupas com
estamparia africana é tão militante quanto os outros, não faz
nenhum sentido haver diferenciação entre pessoas que lutam pela
igualdade racial.
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