Eu, mulher negra, RESISTO!
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Gritaram-me feminista!
Lá estava eu, vestidinho curto, black armadão, toda linda. Cheguei na festa e, enquanto conversava com minhas colegas, percebi que numa roda de homens alguns começavam a me olhar, e eu logo pensei que viriam aquelas frases e palavras horríveis que eles costumam chamar de “elogios”. Eles se preparavam pra me assediar, quando levantei os braços e eles viram meus pelos nas axilas. Sim, eu não me depilo. Depois que eles viram meus pelos, o rosto que antes era como se o jantar tivesse sendo servido pra uma turma de famintos, agora era de desânimo. Agora eu não servia mais pra ser consumida por eles, não era mais bonita e nem era mais gostosa. Poucos segundos depois, eu ouvi daquele grupinho: “Essa porca deve ser feminista, credo”. Depois disso, o olhar deles se voltou para outras mulheres. Eu não achei nada ruim que os olhos deles se voltassem pra outro lugar, não quero ser agradável pra eles, em nenhum sentido. Mas gostei muito de ter sido identificada como feminista porque eu mantenho meus pelos, não é comum que feministas rompam muito com padrões sociais quando dizem respeito à “beleza feminina”.
O que me deixou chateada mesmo foi perceber que, entre lésbicas, o tratamento dado para as mulheres que não se depilam é tão agressivo quanto. Qualquer página no facebook ou blog que fale sobre lésbicas, em algum momento vai falar sobre depilação e como isso é fundamental para uma relação sexual saudável e para uma boa higiene. Afinal, qual a função dos pelos para o nosso corpo? Entre outras funções, os pelos controlam o calor do nosso corpo e evitam a entrada de bactérias pra dentro dele, principalmente os pelos pubianos. Muitas pessoas acreditam que a depilação é só um ato cultural que acompanha a moda, mas se uma mulher optar por usar os pelos do corpo “ao natural”, enfrentará problemas pela frente. Ainda que ela acredite que tem o direito sobre seu corpo, a pressão para que faça os pelos “desaparecerem” virá de todos os lados. Direta ou sutilmente, será questionada sobre suas escolhas. Para algumas mulheres, pernas e axilas sem pelos são parte de sua preferência pessoal estética. Preferência, muitas vezes, influenciada pelo pensamento masculino.
Crédito: Pelos Pelos
Existem vários motivos para mulheres deixarem os pelos do corpo ao natural, e estes motivos vão desde teorias feministas bem elaboradas até o mais simples: depilação dói e incomoda. Para muitas feministas, a depilação é um tipo de tortura, que controla o corpo, as atitudes e os desejos femininos. O ato de não se depilar só se torna curioso e até revolucionário porque os mecanismos sociais de controle da vida das mulheres foram se aperfeiçoando e hoje, quanto mais as mulheres ficarem longe do natural, melhor. Hoje em dia, o bom é mulher sem pelos, sem cheiro natural, com plásticas e partes do corpo removíveis. Cada vez mais nos enchem de químicas que não sabemos direito que problemas irão causar em nossos corpos. O feminismo entra na história quando as mulheres passam a não ter escolha, passam a serem obrigadas a se depilar. Essa obrigação vem da sociedade que exclui e aponta as mulheres que mantêm seus pelos, essa exclusão chega a nós por meio de frases como “pelo é nojento”, mas já pensaram que eles só são nojentos nas mulheres? Hoje muitos homens se depilam, mas, se eles deixam os pelos, não existe nenhum tipo de represália.
Quando uma lésbica decide se libertar desses estigmas sociais e decide manter os pelos do corpo, além dos preconceitos que uma mulher heterossexual sofre, as lésbicas são frequentemente acusadas de quererem “imitar os homens”, isso irrita. Ser homem não é ter pelos nas axilas, ser homem é outra coisa. Os pelos nascem no corpo de homens e mulheres, e acreditem: Lésbicas não fazem reuniões ou ficam elaborando teses sobre como “virar homem”. Enfim, se existe diferença no tratamento entre mulheres que deixam os pelos do corpo à vontade e homens que fazem o mesmo, o feminismo dá visibilidade ao problema, já que o feminismo busca igualdade entre gêneros. Nesse contexto de opressão, permitir que os pelos fiquem a vontade no seu corpo se torna um ato libertário.
Mas como isso afeta as lésbicas?
Crédito: Pelos Pelos
Ter pelos pelo corpo, para sociedade em geral, é quase um crime e, assim como em relacionamentos heterossexuais, impede a transa de muitas mulheres, só porque a depilação não está em dia.
Quando uma mulher lésbica faz uso destes mecanismos de opressão e se recusa a sentir e dar prazer por causa dos pelos, está perpetuando uma mentira que impede muitas mulheres de ter prazer pleno no sexo. Entre as lésbicas mais velhas que conheço, percebo que o discurso “ mulher com pelos é nojento” é o mesmo, mas na prática é diferente. As mais velhas acabam não ligando tanto para os pelos, porque sabem que é bobagem e não deixam de se divertir por causa deles. Uma mulher que é limpa sem pelos, será limpa também com eles, mas também não assumem que tudo bem ter pelos, a maioria mantém a tradição de rotular lésbicas que mantém os pelos de “porcas”. Mas é nas sapas mais jovens que vejo essa situação com um pouco mais de preocupação. Em várias redes sociais e até nas baladinhas o assunto depilação é sempre um momento tenso, onde as moças mais jovens normalmente sentem necessidade de se apresentarem como limpinhas, logo, depiladas.
Nós vivemos numa cultura onde as mulheres são naturalmente incentivadas a se modificar o tempo todo e, frequentemente, são rotuladas como naturalmente nojentas. Muitas mulheres nunca provaram o próprio gosto, achando que é “nojento”, muitas odeiam o cheiro de suas vaginas (mesmo sem saber por que) e usam vários cremes e outras coisas para mudar o cheiro natural. Tudo isso é incentivado pelos homens, que normalmente associam o cheiro feminino a coisas ruins como “queijinho” e “bacalhau”. Não vou explicar o que são essas coisas, porque tenho certeza que você, mulher, sabe o que é. Porque sofrer esse tipo de opressão desde pequena faz parte do que significa ser mulher em nossa sociedade.
Crédito: Pelos Pelos
Pois bem, somos ensinadas a nos odiar, mas quando nos descobrimos lésbicas, sentimos prazer em sentir o gosto e cheiro da mulher que nos interessa. A partir dessa constatação, todo o ódio começa a se transformar em amor por nossos corpos e pelos corpos de outras mulheres. Cedo ou tarde, e de maneiras diferentes, as lésbicas vão se desvencilhando do auto-ódio, embutido pelo patriarcado, e reconhecendo que mulheres não são nojentas. Se gostamos do cheiro e gosto naturais das mulheres, por que continuar fingindo que não? Por que modificar esse cheiro e gosto que nos atrai e nos dá prazer? Por que dificultar que outras mulheres aprendam a se gostar exatamente como elas são? Nós, lésbicas, sabemos que mulheres não são seres plásticos sem vontade, então porque não amar e conhecer cada parte de sua companheira? Cada mulher tem um cheiro e um gosto diferente, cada pelo pubiano tem um formato e um jeito de nascer. É tão bonito conhecer os pelos da namorada e sentir sua maciez enquanto namora, permita-se!
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