Eu, mulher negra, RESISTO!
segunda-feira, 19 de maio de 2014
Gordofobia é Papo Feminista
È por nós, por amor.
Esse texto é continuação de uma reflexão iniciada
aqui
.
Entre as mulheres negras é bem comum que a família esteja envolvida no auto cuidado, normalmente num fim de semana onde as mulheres escolhem para “se cuidar”. Nesse dia escolhido as mulheres da família se juntam para arrumar dos cabelos, fazer as unhas, falar dos relacionamentos, das mudanças no corpo, alegrias e tristezas. Na vida de muitas dessas mulheres esse momento é bem marcante e intimo porque são nestas reuniões que elas aprendem que estão inseridas dentro da categoria
mulher
. As mais velhas dão conselhos, ensinam chás, simpatias e jeitinho de como lidar com a vida difícil que a condição de
mulher
junto com a condição de
negra
trazem na vida
delas. Estas conversas sobre como é ser mulher negra são desenhadas por mulheres que não leram sobre teoria feminista mas que por amor e sentimento de união acolhem e ensinam o que sabem para as novas mulheres que chegam no grupo.Normalmente com os doze, treze anos a jovem mulher já começa a fazer parte do ritual e não fica mais ali por perto correndo e brincando, a partir da primeira menstruação ela já precisa aprender muitas coisas, e são as mulheres da família que vão dar conta disso. Esse tipo de reunião não configura intromissão ou controle do corpo porque o importante não é necessariamente os conselhos que muitas vezes corroboram com opressão social. Estas reuniões configuram um espaço de acolhimento feminino, maternal e ancestral,
Bell
Hooks
fala sobre isso no texto “
alisando nossos cabelos
”. È claro que viver numa sociedade racista, gordofobia, lesbofobica e sexista acaba levando esses elementos pra dentro desses rituais. Isso significa que um ritual importante esta contaminado, mas não perdido. Pois mais que a gente se irrite com nossas mães querendo nos alisar, fazer unha e todas aquelas coisas, nós sabemos que é o jeito que elas encontram de se aproximar e maioria das mulheres deixa a mãe fazer alguma coisa que elas querem, porque são nossas mães e é bom sentir o acolhimento que tanto nos ensina sobre a vida.
Nós não
podemos nos resignar se sabemos que a supremacia branca aliada ao patriarcado e piorada quando se redesenha no mundo capitalista, estão centrados em sabotar nossos esforços por construir uma individualidade, identidade e manter a irmandade feminina negra. Armadas desses sentimentos de companheirismo, amor e comprometimento, ficaremos mais fortes contra as lutas do patriarcado. Por isso é importante uma leitura por um viés feminista sobre nossas praticas. Não são chatices de mãe, são laços muito importantes que nos alicerçam no inicio de nossa caminhada.
Estamos agora num cenário de conflito, onde alguns laços de lealdade estão sendo desfeitos dentro das famílias negras e dentro do feminismo. A pós modernidade esta tornando as relações fluidas demais, o que atrapalha na luta feminista. Nós por muito tempo ficamos ligadas à família, eramos mães, irmãs, filhas e a maioria de nossas profissões eram ligadas à famílias, por isso talvez não nos
reconhecíamos
como feministas, talvez por isso
achávamos
que nossos
laços
de lealdade não eram especiais. Nós lutamos tanto para conquistar a academia e os espaços intelectuais, estamos no caminho, e muitas de nós sem perceber ainda mantém viva a tradição do encontro de mulheres dentro de nossas famílias, ainda mantem os laços de cuidado e os mesmos rituais que nem sempre são de beleza, muitas vezes são em volta da cozinha e bajulando a sobrinha nova, mas sempre naquele ritual de estarem todas juntas. Mantemos a lealdade com nossas famílias, mas estamos falhando com as
alianças
maiores., talvez por não percebermos a grandiosidade das nossas
relações
Entre as
feministas
negras, muitas são autônomas das que seguem em coletivo, as vezes não sabemos a quem recorrer porque os espaços estão cada vez menos seguros. E, dentro desse contexto acabamos afrouxando os laços que podem se soltar de vez, e não é isso que queremos. Acho que alguns laços já estão frouxos e uma das lacunas que esta se formando é sobre o auto cuidado.
Auto cuidado é importante como uma forma de fortalecer o movimento feminista, e isso esta diretamente ligado a força de mulheres ativistas. O nosso passado nos dá bases para seguir em frente, não podemos e não precisamos abandona-lo. E as intervenções e preocupações de nossas mães sobre nossos corpos e peso, são
reais
. A maioria das famílias pretas não interfere exigindo magreza, mas teme a obesidade porque as mais velhas sabem que se estamos mais pesadas, as coisas ficam mais difíceis. Não estou usando o discurso da saúde pra ir contra a gordura, nesse sentido é importante relembrar o texto anterior. A modernidade quer que a gente rompa com nossas mães, com o antigo e nos liguemos com o que é novo, como se fosse melhor, como se isso fosse se “emponderar”. Nós precisamos olhar para a nossa realidade e renovar o olhar e refletir sobre o feminismo, o nosso feminismo.
“
A saúde é subversiva porque não dá lucro à ninguém"
(Sonia Hirsch)
Os debates estão acontecendo, e isso é ótimo, mesmo que ainda não esteja acontecendo de maneira assertiva, considero assertivo um debate que acolha as mulheres negras em todas as suas formas e representações. E, acredito que a assertividade virá com a
nossa produção
vindo à rede, só assim a pluralidade das nossas lutas terá atingido a tal representatividade necessária. Não faz parte de nossa realidade a busca pela magreza, mesmo com toda a pressão que sofremos a maioria de nós não entrou realmente na pilha de ter que ser magra. Pra nós normalmente esse ideal não faz sentido porque nós temos uma relação festiva e afetiva com a comida. A maioria das reuniões das famílias negras são rodeadas de comidas e longos papos à beira do fogão. Nossas referencias ancestrais são de mulheres gordas. Se prestarmos atenção nas baianas dos acarajés e nas orixás femininas por exemplo, são corpos femininos que estão prontos pra aguentar o tranco, são largos, muitas vezes gordos e com presença. Essa tradição de corpos pequenos, frágeis e magros vem da cultura européia, branca.
E claro, a cultura dominante interfere naquilo que estamos acostumadas, há muitas representações de orixás magras e até brancas. Mesmo não tendo conquistado muitas mulheres negras, percebo que de poucos anos pra cá, aumentou muito a exigência de um corpo “Top”, principalmente para as mulheres que se relacionam com homens. Cada vez mais esses homens buscam uma mulher que é um padrão construído pelo patriarcado, e como consequência disso cada vez mais mulheres negras estão atraídas pelo emagrecimento e adequação ao corpo ideal. Mas me aproximando mais das mulheres feministas, que já tem o pisca alerta ligado, nós precisamos achar o equilíbrio entre ficar tranquila com nossos corpos e longe das ciladas que o patriarcado nos impõe.
Eu não quero me prender a relatórios médicos mas um acolhimento feminista tem que ter o cuidado ao corpo e a saúde na bagagem. A autoestima existe, não é uma invenção do capitalismo. Nós muitas vezes nos sentimos sensibilizadas com a nossa imagem, com o nosso corpo, mas parece que a blindagem feminista não nos permite assumir essa fragilidade que acontece. E nós acabamos nos silenciando sobre essas questões.
A beleza é uma pauta do patriarcado que usa a autoestima como mecanismo de controle e submissão das mulheres, e é pauta do capitalismo que usa a autoestima como chantagem emocional para nos manter aprisionadas ao consumo. O capitalismo tira o
caráter
festivo e acolhedor da comida e a transforma em mercadoria. Transforma a comida num problema, usa ingredientes que viciam e vendem uma imagem irreal de um produto que acaba nos adoecendo e para o patriarcado uma feminista doente é a prova de que os mecanismo de pressão estão funcionando.
Acredito que quando descolamos as mulheres gordas e obesas de suas realidades, retirando da pauta todos os problemas que a obesidade nos
trás
e nos focamos apenas no preconceito e beleza, estamos criando novos problemas. O preconceito nasce porque de alguma forma você é inadequada, comprar esse discurso de "gordofobia" e injetando auto estima é entender que você esta fora do padrão, mas ainda sim pode ser consumida, ainda sim "serve", e não é a toa que novos modelos de opressão foram criados para incluir mulheres gordas, incluir dentro do sistema que maltrata mulheres; isso não é nada positivo.
Uma irmandade tem que ver todos os lados da moeda, cuidar é também chamar atenção.O combate a gordofobia é uma luta feminista, mas ser uma luta feminista não necessariamente é ignorar os resultados médicos e principalmente a vida ativa dessa irmã. Lembrando o texto anterior, gordura não é uma doença, mas a obesidade sim, e as duas formas devem ser abraçadas pelo feminismo, abraçar e acolher todas as irmãs, e dar suporte para uma vida melhor, que inclui a luta contra o preconceito, mas é só esse o trabalho feminista. A luta contra o padrão de beleza não tem absolutamente nada a ver com obesidade.A luta contra a gordofobia também não deve ser levada com a auto estima sendo valorizada, não dentro dos padrões patriarcais que transformam mulheres em coisas á serem consumidas, gordofobia se destrói com o auto cuidado e companheirismo.
"A mulher gorda, mais do que o homem, é segregada e anulada. Mas o peso que mais a incomoda não
é aquele registrado na balança — é o da consciência. Quase inevitavelmente, as explicações dadas para a
gordura apontam para o fracasso da própria mulheres em controlar seu peso, seu apetite e seus impulsos.
As mulheres que sofrem do problema da compulsão de comer (que ataca quase todas as gordas) suportam uma dupla angústia:
sentem-se desajustadas socialmente e acreditam ser as únicas culpadas por isso. [...]
Se torna cada dia mais claro que a gordura é uma questão feminista. Ela é um problema social,
nada tem a ver com a falta de controle ou de força de vontade da mulher, mas pode se tornar uma curiosa forma de protesto.
" Gordura é uma questão feminista, de Susie Orbach, publicado em 1976.
O sistema de saúde é
misógino
e não dá pra confiar completamente, mais um motivo para que a gente saiba como acolher uma irmã. Não há nenhum problema em melhorar o condicionamento físico. Colocar uma roupa confortável e caminhar por 30 minutos não deveria ser entendido como um ato não-feminista e muitas vezes percebo que acabamos confundindo cuidar da saúde com adequar-se ao padrão de beleza estabelecido. Nós somos negras, nunca seremos o padrão de beleza enquanto o mundo for
eurocêntrico
e racista,então essa é nossa libertação primária. Também devemos nos estimular para aprender artes marciais como defesa pessoal, precisamos estar ativas e combativas.
A luta feminista gira entorno da conquista por autonomia, e a obesidade nesse sentido não é conquista, mas um retrocesso porque é uma a
rmadilhas do patriarcado que quer nos adoecer.
De novo, as classificações médicas não são tão importantes, o importante é nos mantermosativas e combativas, juntas, unidas e nos cuidando.
È um exercício coletivo e individual ao mesmo tempo. Coletivo porque somos representação para as feministas que estão chegando, e nós precisamos nos equilibrar pra estar em Luta., saber acolher todas as mulheres e se não pudermos entende-las num primeiro momento, apresentar a casa e o companheirismo feminista. E um exercício pessoal porque é importante unir a teoria com a pratica e nossas contradições pessoas aparecem sempre que nos colocamos no
front
. Nós precisamos dar conta de abraçar todas as mulheres independente de sua forma porque a convivência feminista é de solidariedade e expansão, mas também de conflitos, negociações e renegociações, adaptação mas nunca de exclusão e omissão.
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