Escolhi
como titulo desta postagem o nome de um livro que gosto, foi um
presente de uma amiga que me ajudou muito a firmar algumas posições
sobre o que eu entendo que é ser negra no Brasil. Nascer negra faz
com que todas nós saibamos o que é racismo, mas muitas vezes não
percebemos o que há de bom em nossos corpos,
justamente porque somos levadas a abandonar nossas características, e
quando colocamos o espelho da consciência em nossa frente, não reconhecemos quem esta refletida nele. Ser adulta e
começar a descobrir que tudo o que te ensinaram sobre você é
mentira, é doloroso porque é sobre você, sobre as partes
mais intimas e mais verdadeiras que fazem você ser o que é. O tempo todo ouvimos através dos meios de comunicação que as mulheres precisam cuidar da autoestima,
mas a esmagadora maioria das mulheres negras construíram a autoestima
em cima de mentiras e de auto ódio, como desconstruir isso sozinha?
È muito difícil, nós não temos apoio nessa desconstrução porque pra todo lado que nós olhamos as representações são de mulheres não negras e muitas vezes também são exemplos de mulheres escravizadas. O tempo todo nós lutamos no escuro, quebramos barreiras, ascendemos socialmente, chegamos nos bancos da universidade: mestrado, doutorado e quando olhamos para os lados não enxergamos referencias de mulheres pretas, porque quando chegamos nesse ponto, nós somos a referencia.
Por
isso quando iniciamos o processo de se tornar negra, é normal que
muitas pessoas fiquem contra, é normal que venha criticas de todos
os lados, as pessoas esperam que uma mulher negra com uma posição social melhor se embranqueça, e entendem como insolência uma mulher doutora com dreads nos cabelos ou com um blackpower. È normal as pessoas pensarem que se nos tornarmos embranquecidas a vida será menos difícil. Agente acaba ficando no meio de uma discussão que não faz sentido. porque pra nós esse processo de enegrecer é puro amor, você esta se libertando, esta quebrando o ciclo de
ódio para aprender a se amar. Mas a pressão é tanta que uma atitude amor como essa acaba se tornando um problema porque cansa nadar contra a maré todos os dias, cansa levar a rotina do dia a dia e ainda esse peso de ter que lidar com a aparência ideal para os outros, cansa tanto que muitas de nós acaba se rendendo e abandonando o processo de tornar-se negra no meio. Não aguentar o peso das lutas que caem em cima de nós é normal, não é possível estar forte todos os dias. Mas um processo de aceitação inacabado é ainda mais perigoso do que a inconsciência completa, porque gera frustrações e é isso que esse sistema de exclusão quer. Nós mulheres negras somos controladas pelo sistema racista e pelo patriarcado, que é um sistema que funciona de forma parecida com o racismo, esse sistema normatiza os sofrimentos para escravizar especificamente as mulheres. Como nós somos mulheres e negras, temos que lutar ao mesmo tempo com duas formas de exclusão, isso cansa! Quando nos sentimos cansadas, com vontade de desistir e deixar a vida nos levar, é hora de parar, respirar e procurar aconchego. Precisamos ter um lugar, um grupo ou alguma parte dentro de nós que nos receba bem, para recarregar as energias.
Eu sugiro que ao terminar de ler esse
texto vocês peguem o espelho e observem cada partezinha do seu
rosto, seu nariz é feio? Porque? Quem te disse isso? Sua boca, sua
cor, a textura da sua pele, todas estas partes são você! Quem se
beneficia quando você não se gosta? Não adianta eu escrever que
você é linda, que sua cor é linda se você não se olhar, se tocar
e sentir que você é a coisa mais preciosa que pode existir, sua
existência é única. Então
se conheça e permita que suas raízes floresçam, descubra o que existe de verdade em você. Será menos pesado continuar nesse mundo depois
de se reconhecer no espelho. Vai ser muito mais fácil apontar o dedo
para aquele que nos ensinou o ódio e dizer “ Você esta mentindo”,
e impedir que esse sistema plante ódio em nossas crianças. Só nós
cuidaremos de nós mesmas então vamos plantar o amor a partir de
nossos corações e corpos. Aprender a se amar é um passo importante que nos dá segurança pra continuar. Procure seu ponto de equilíbrio e aconchego, não lute sozinha, procure outras iguais para conversar, não se isole.
Preta & Moderna
Dentro
desse processo de reconhecimento é comum que a gente fique enamorada
pelos nossos traços, pela maciez dos nossos cabelos e por tudo o que
isso representa, é comum também que a gente acredite que só o
natural é que representa verdadeiramente a mente de uma negra
consciente, mas não é sempre assim. Para muitas mulheres há o
processo de amor pelo seu corpo, mas ao mesmo tempo elas gostam de
cortes e modelos modernos de cabelos, acompanham a moda e gostam,
sentem-se lindas assim e por isso recebem muitas criticas de
militantes.
Nem
sempre alisar os cabelos, tingi-los de loiro é querer ser branco,
nós vivemos num mundo globalizado, moderno e cheio de atrativos. As
moças querem mudar o penteado ficar fashion, ficar na moda. Quem
quer ficar na moda okay, estamos caminhando para a liberdade, então
porque não mudar os cabelos e deixa-los do jeito que queremos? O
caminho para tornar-se negro não é uma prisão, nós não
precisamos de cartilha para ser negro/negra, porque não é possível fazer essa escolha. Se temos a pele preta, somos negros. Mudar o visual porque quer
ficar diferente, não tem absolutamente nada a ver com manter um
visual alisado para parecer branco, para tentar se encaixar num
sistema de opressão que exclui nossas características naturais. Quer mudar, pode, deve! Mas, quando as militantes do movimento negro insistem sobre os
cabelos naturais, queremos que nossas pretas se conheçam e consigam
amar seus cabelos e assim se livrar do racismo interno que nos
maltrata.
Infelizmente
a maioria das mulheres negras brasileiras não conhecem a textura dos
seus cabelos porque o modificam quimicamente há muito tempo,
infelizmente as crianças pretas não tem exemplos sobre como o
cabelo crespo pode ser bonito e podem existir livres. Infelizmente
ainda acreditam que nosso cabelo é ruim e que é inadequado. Esse é um motivo importante para deixar os fios naturais. Uma
preta com cabelo natural é estigmatizada, porque é exceção, infelizmente muitas pretas perdem os empregos ou não são escolhidas para mudar de cargo justamente por causa dos cabelos, manter os cabelos naturais serve de apoio, quanto mais pretas naturais mais o racismo terá que retroceder. Por isso nós militantes
do movimento negro insistimos tanto para que os cabelos sejam uma
coroa contra o racismo, dar o exemplo para as crianças e apoiar outras pretas no enfrentamento do
racismo é tarefa importante. Mas nenhuma preta que se recusa a
ser exemplo, vai ser menos preta por isso. Então se você é uma preta que já passou pelo processo interno de auto afirmação, mude o visual sem se sentir culpada, sinta-se linda e afirme sua liberdade e vontade, o que não vale é usar esse discurso pra se esconder do espelho. Quando tiver difícil, lembre-se de pedir acolhimento junto com suas iguais, de se namorar no espelho e sempre procurar sua verdade do lado de dentro, porque o processo de tronar-se preta começa na nossa parte mais intima e profunda.
são tantas as miudezas do nosso corpo que precisam ser amados, outro dia me peguei olhando minhas axilas, queria entender o que os comerciais de desodorantes tem contra elas. Eles nunca colocam uma mulher negra mostrando suas axilas. Não vi nada que me chamasse atenção de forma positiva e nem negativa, passei uns dias intrigada com elas e ai fui observando que tem cheiro bom, textura boa, uma cor perfeita...mais uma parte que acabei identificando como linda no meu corpo e que amo. Nos amar é uma atividade que exige constância e atenção que é pra não sermos atropeladas em um descuido.
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