quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Afro-feminismo, porque?

   
    



Quando eu comecei a ouvir barulhinhos sobre feminismo sempre eram sobre mulheres brancas, mulheres europeias e estadunidenses. O máximo que  chegava perto de uma negra era para falar de Xica da Silva, e  ainda como uma lenda surreal, nunca como representação positiva, resistência. Quando os barulhinhos se tornaram ruídos mais frequentes, ouvi falar de uma tal de Angela Davis e uma negrinha ousada que atendia por Rosa Parks, só ouvia falar mesmo. Sem internet eram só ruídos pois estas mulheres não estavam na biblioteca, menos ainda na videoteca da escola ou do bairro onde eu morava. Eu gostava da ideia do feminismo, sou mulher e sentia que aquilo tinha tudo a ver comigo, mas faltava alguma coisa, minha representação ali ia somente até a página 2. Fui construída socialmente como mulher, e o feminismo me representa, me ajuda. Assim segui até a chegada da internet, aí então os tambores transformaram os ruídos em música! Música africana, latino-americana e caribenha.

     Descobri que o feminismo apesar de se apresentar branco, ele não é só isso.  Descobri que além de mulher sou negra e Lésbica, e estas informações fazem  toda a diferença! Para as mulheres negras fica muito difícil entender o feminismo e suas demandas   porque não há representação negra. Os livros indicados pelos sites feministas por  exemplo, são 99,99% de escritoras brancas que tem uma história completamente diferente, estes livros servem como conhecimento mas não servem para a prática feminista. As mulheres negras precisam olhar para o feminismo e ver mulheres negras, precisamos de espelhos, representação. Precisamos aprender quem somos pela perspectiva preta, negra da diáspora africana. 

    As pretas das favelas que sofrem sendo as maiores vitimas de violência doméstica, sofrem com os piores salários, piores empregos , maior Índice de mortalidade, racismo, lesbofobia, machismo e outras violências históricas normatizadas pelo espelho branco. Nesse sentido o feminismo tem muito a nos ensinar. Nós somos estas pretas que citei acima, temos a mesma face delas, somos suas irmãs, filhas, mães, vizinhas. Se colocarmos um espelho agora em nossa frente, quem ele refletirá, as brancas dos livros empolados ou as negras da diáspora? Faça o teste e diz aí então quem deve nos representar. Criei o blog para falar sobre mulheres negras e Lésbicas sob uma perspectiva Afro- Feminista.


Eu: Negra Mulher e Feminista, resisto!
continua....

Um dos primeiros tambores que ouvi....



ENEGRECER O FEMINISMO

"Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um  contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… 
Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação.

Em geral, a unidade na luta das mulheres em nossas  sociedades não depende apenas da nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histórica hegemonia masculina, mas exige, também, a superação de ideologias complementares desse sistema de opressão, como é o caso do racismo. O racismo estabelece a inferioridade social dos segmentos negros da população em geral e das mulheres negras em particular, operando ademais como fator de divisão na luta das mulheres pelos privilégios que se instituem para as mulheres brancas. Nessa perspectiva, a luta das mulheres negras contra a opressão de gênero e de raça vem desenhando novos contornos para a ação política feminista e anti-racista, enriquecendo tanto a discussão da questão racial, como a questão de gênero na sociedade brasileira.Enegrecer o movimento feminista brasileiro tem significado, concretamente, demarcar e instituir na agenda do movimento de mulheres o peso que a questão racial tem na configuração, por exemplo, das políticas demográficas, na caracterização da questão da violência contra a mulher pela introdução do conceito de violência racial como aspecto determinante das formas de violência sofridas por metade da população feminina do país que não é branca; introduzir a discussão sobre as doenças étnicas/raciais ou as doenças com  maior incidência sobre a população negra como questões fundamentais na formulação de políticas públicas na área de saúde; instituir a crítica aos mecanismos de seleção no mercado de trabalho como a “boa aparência”, que mantém as desigualdades e os privilégios entre as mulheres brancas e negras.

CARNEIRO, Suely. Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero.In: Ashoka Empreendimentos Sociais; Takano Cidadania (Orgs.). Racismos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003. p. 49-58.

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