Eu, mulher negra, RESISTO!
domingo, 4 de agosto de 2013
Militância X Internet - Qual a importância desses mecanismos para as mulheres , lésbicas e meninas negras?
O espaço virtual existe. Existe e ganha mais frequentadores todos os dias. E é pensando nas pessoas que já estão incluídas nessa realidade virtual que estou escrevendo. Na internet é possível se expressar de diversas maneiras, as maneiras preferidas pelos brasileiros são as redes sociais e as páginas do youtube, pelo menos é o que ouço falar por aí e o que percebo também; todos os dias tem uma pessoa famosa de um "vlog" novo no youtube ou alguma manifestação inquieta no facebook e no twitter também. Disso todo mundo sabe né? qual a novidade?
Quando eu comecei a esboçar algum sinal de militância na internet foi com o feminismo e em seguida contra o racismo, isso aconteceu há 5 anos atrás e qualquer pessoa que ousasse manifestar alguma ideia de coletivo ou grupo para militância ou ativismo era ridicularizado, eramos chamadas de "ativistas de sofá", "festivos" e medrosos. Tantas pessoas nas ruas fazendo alguma coisa e nós ali, na internet? Ah vá! como dar algum crédito pra isso?
Nesses cinco anos muita coisa mudou e muitos grupos de pessoas conseguem se reunir pra fazer muita coisa, mas percebo que algumas coisas ainda não evoluíram tanto. Ainda existe muita gente que desacredita da internet e do espaço virtual para uma militância real e forte. O espaço virtual foi importantíssimo, eu diria essencial para minha formação como pessoa. Na internet aprendi á cuidar dos meus cabelos sem precisar alisa-los, aprendi que ser mulher é muito bom e que precisamos ter direitos iguais, aprendi que eu não estava maluca quando percebia que mulheres negras são ainda mais maltratadas que as mulheres brancas, aprendi muita coisa sobre ser lésbica,aprendi várias coisas sobre politica e aprendi muitas coisas que são tão sensíveis que é impossível descreve-las, sabe? Eu falo dessas coisas que chamamos de irmandade, comunidade e dessas coisas que chamamos de "vivência das ruas", mas eu aprendi nas ruas da internet. O espaço virtual possibilita aproximações infinitas, por isso não entendo quando qualquer pessoa tenta invalidar o que é produzido nele.
Este debate entre real e virtual poderia ser engraçado se a desvalorização da internet não acontecesse principalmente quando o assunto é racismo. Sei bem que racistas em geral preferem que negros {principalmente as combativas} não se apoderem de todos os meios possíveis para se unir e fazer com que a luta aconteça por qualquer meio necessário. Disso eu já sei. O que me deixa inquieta é quando uma(s) racista(s) se apodera do discurso “black is beautiful” e “ Todo poder ao povo preto” acreditando que esta fazendo um favor aos negros do mundo faltando só usar uma camiseta " Eu amo pessoas negras" ou " entendo tanto de negros que me tornei especialista S2" e olha que as vezes nem falta essas tais camisetas...
Esse discurso é mais velho do que minha bisavó, mas funciona até num espaço novo como é a internet. E porque funciona?
Não posso dar essa resposta, só quero alertar sobre como lidamos com a nossa prática diária de combate ao racismo. Nós pretas sabemos o que queremos e temos formas diferentes de lutar para que isso aconteça mas não adianta ter uma retórica boa, ler todas as escritoras pretas do mundo e ser firme nas palavras se não aprendermos a lidar com os problemas que temos no nosso quintal. As marcas do racismo são internas, tinhosas e só precisam de uma brisa pequena pra voltar a arder. Precisamos tomar cuidado com as permissões que concedemos dentro do nosso quintal, não é sobre domínio de cultura que eu estou falando, é sobre domínio de vida e de colonização mental. Tão importante quando enegrecer as pessoas á nossa volta é descolonizar nossa própria mente. E dentro dessa descolonização a vaidade precisa tomar o terceiro plano porque "compartilhar" a fala de uma preta é fácil dizer que concorda é fácil mas abrir mão dos privilégios que realmente façam a diferença em ambas as existências, aí leitoras queridas é cada uma por si e nós excluídas e divididas. Dentro do nosso quintal já é difícil imagina dentro da dimensão da internet?
E tenho percebido que muitas pretas tem se apoderado do espaço virtual para escrever, isso é ótimo! O colonizador coloca diariamente em nossas mentes que nós não podemos e não sabemos fazer, então precisamos romper essa barreira do jeito que soubermos e ir em frente. Escrever pra nós negras é essencial, precisamos praticar isso. Precisamos nos apoderar da escrita para firmar nossa existência e resistência dificultando o sumiço de nossas pegadas como fizeram com vários antepassados nossos e como tentaram fazer com Maria Carolina de Jesus. Enfim, precisamos sim ocupar esse espaço com a mesma força e sabedoria que ocupamos nossos espaços físicos [ escola, trabalho], porque este espaço aqui esta se integrando e representando cada vez mais. As crianças negras, as adolescentes negras que buscarem algum espaço pra leitura irão digitar algumas palavras chave no google e vão encontrar o que? experimentem vocês, façam o teste com algumas palavras chave pensem como podemos mudar isso ou como podemos contribuir? Digitar "mulher negra" no google me deixa muito mais feliz hoje do que há cinco anos atrás, mas ainda pode ser mais próximo das mulheres pretas e lésbicas, principalmente sobre as lésbicas negras. Todas estas palavras podem ser mais próximas das pretas que moram nas favelas, nas periferias do brasil. Esses mundos podem ser aproximados com coisas jamais ditas á uma menina negra.
Estamos avançando de maneira importante, estamos mostrando que não somos festivos e não estamos brincando. O que pra muitos é passa tempo, diversão ou uma maneira de aprender apenas, pra nós é a criação de um mundo novo. Nós todas temos um papel importantíssimo nesse momento histórico que estamos atravessando, muitas vezes nós conversamos na internet com pessoas que jamais tiveram a oportunidade de falar sobre racismo, jamais viram um filme ou um desenho positivo com pessoas negras, jamais ouviram algo bonito sobre a Africa e a internet propicia tudo isso e hoje através de nossas mãos nascem coisas muito positivas e por isso devemos tomar cuidado para que esse poder não seja tomado de nossas mãos e apagado pelo discurso "negro é lindo" como se fossemos só lindas;normalmente usam a beleza das mulheres negras [ esquecem das crianças e dos homens negros porque o machismo exige que exaltem a beleza apenas das mulheres], "Somos todas negras" [ normalmente usado por universitárias não negras quando descobrem que existe racismo no Brasil],como se fosse possível portar a negritude e deixa-la na prateleira quando incomodasse. Os discursos contra nós são muitos e não conheço nenhum que seja novo. Todos são discursos fantasiados de bondade e igualdade quando na verdade só o que querem é nossa sabedoria para então ser protagonizada no mundo deles por não negros e sempre um representante com cada vez menos melanina para configurar o discurso brasileiro de "não somos racistas". Existem várias correntes de luta a favor da negritude, mas acredito que todas elas querem igualdade, seja ela integrada ou separada, mas igualdade. E se é essa a busca não podemos nos deixar enganar.
A luta das mulheres negras deve ser protagonizada por mulheres ou então não é legitima e nem é a nosso favor.
Enfim, fica a reflexão sobre o mundo virtual e espero que ocupemos cada vez mais, espero que nossos rastros fiquem cada vez mais profundos. Nós estamos combatendo
o perigo da história única
com as nossas próprias mãos, somos revolucionárias sim e é pela nossa resistência e através do nosso sangue e suor derramado que essa história esta sendo reescrita e recontada e nós precisamos reconhecer isso antes de tudo, nós somos essenciais para a construção e reconstrução de nossas histórias pretas e por isso é muito importante fazer a faxina no nosso quintal e nas nossas mentes.
Obrigada por ler, espero ter contribuído para uma reflexão positiva.
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