Eu, mulher negra, RESISTO!
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
Sobre a mão que balança o berço e os racistas que dormem nesse balanço:
O Nosso Juri é racional e não falha.
Frequentemente me perguntam sobre a inocência de muitas pessoas brancas ao cometerem atos racistas. A
ideia principal é a de que a maioria das pessoas só reproduz racismo, e por isso tem menos culpa e não devem ser responsabilizadas e culpabilizadas sobre seus atos, ou deveriam ter a culpa minimizada.
È muito comum as pessoas pensarem que crianças, adolescentes e pessoas com menos instrução no que diz respeito as "novas" leis e ao famoso "politicamente correto são completamente inocentes, ignorantes e por isso as pessoas negras, e sobretudo a militância negra precisa ter paciência e cuidado ao apontar o dedo que denuncia o racismo.
Bem, quanto a isso eu só posso perguntar:
Se você um dia for procurar emprego, se arrumar, se preparar com todo cuidado e durante a entrevista levar um tapa do seu entrevistador, vai doer menos se o entrevistador se desculpar em seguida, e dizer que foi só um mal entendido?
Se uma criança de sua família for para a escolinha com os cabelos arrumados, toda feliz porque esta linda e parecida com alguém que ela admira e de repente
tiver os cabelos incendiados, cortados e comparados á palha de aço que as pessoas usam em casa, para lavar a louça.
Vai ser menos grave, se o autor dessa violência for uma outra criança?
Se o seu vizinho/ amigo adolescente negro, se suicidar porque passou por vários traumas relacionados á sua cor na infância, e agora adolescente é diariamente chamado de macaco por outros adolescentes
, será menos racismo porque eram só adolescentes?
Infelizmente para a população negra não existe o " Se", estas coisas acontecem em maior ou menor grau na maioria das famílias negras. Muitas crianças se intoxicam tomando banho de água sanitária porque outros coleguinhas, cuidadoras e até professoras zombam diariamente da cor de sua pele. Adolescentes já tiveram os cabelos incendiados e pessoalmente tenho duas colegas onde fizeram isso com ela dentro da universidade. Infelizmente alguns jovens quando entraram na universidade por cotas raciais, foram tão humilhados que cometeram suicídio. Eu conheço dois casos da UFOP e um outro na UERJ. O que mais acontece por ai? Por aí acontece mais um monte de coisas que nós não sabemos, que pessoas distantes do mundo negro não sabem, e nós também não temos a obrigação de difundir nossas dores porque estamos ocupados tentado curar feridas enquanto outras estão sendo abertas. È tudo ao mesmo tempo, sem pausa e sem massagem, porque a complexidade da vida faz com que não sejamos só negras; nós somos também pobres, lésbicas, trabalhadoras, estudantes. Sofremos violência doméstica, obstetrícia e todas as outras violências que mulheres de outras etnias sofrem, por isso não será bem recebido por nenhuma de nós, qualquer freio sobre a paciência que nós temos e a forma com que lidamos com pessoas brancas e as denuncias de racismo.
È sabido que há quem pense sobre as novas de melhorar a engrenagem do racismo, sem duvida nenhuma existe uma imensa força que mantem essa engrenagem de pé e funcionando hermeticamente para eliminar as pessoas negras de diversas formas. Por isso, é necessário que exista cada vez mais negros em todos os espaços, e negros com diversos tipos de pensamentos e ações. Quanto mais diversidade negra, mais a comunidade preta será representada de uma maneira justa.
Nosso papel enquanto pessoas negras é permanecer vivos e na medida do possível reconstruir a negritude para nós e para os que ainda irão habitar esta terra. A ideia é de que toda negra viva, é fruto de resistência negra. Toda negra que não se cala, que denuncia é uma negra militante, e esses papéis só se ampliam. As responsabilidades com a militância negra só aumentam, porque na medida que avançamos para dentro dos espaços brancos, nosso papel também é o de identificar as cabeças pensantes que mantém a engrenagem do racismo em plena atividade, e denuncia-las, quebrando a ordem da casa grande. E nesse momento de denuncia, que muitos que antes estavam do nosso lado, afagando nosso black, elogiando nossas roupas, nosso sorriso, chegam com o discurso do " deixa disso" e tentam nos calar por qualquer meio necessário. Nós sabemos como acontece, nós conhecemos as etapas do processo de silenciamento, nós sofremos o tempo inteiro com isso. Então, porque permitimos que brancos de estimação usem o espaço que cedemos á eles para nos dizer o que fazer? Porque ainda consultamos pessoas brancas quando queremos tomar uma decisão importante, principalmente num caso de denuncia?
De maneira alguma devemos esquecer quem são nossos brancos de estimação, e lembrar também que por mais que eles sejam nossos companheiros, se um branco leva um tapa da sociedade, é o preto que sente a dor. Em muitos casos de preconceitos contra pessoas brancas estão ligadas ao racismo, e a afrodescendência desse branco. Quando uma pessoa profere frases como " Não faça um serviço de preto", " Preto quando não caga na entrada, caga na saída". você acha o branco se ofende? por mais que seja uma pessoa branca que esta levando a bronca, essa frase vai doer na alma do negro mais próximo. Quando brancos riem dos dreads falsos que outro branco colocou, do turbante ou qualquer traje reconhecido socialmente como afro que uma pessoa branca esteja vestindo, por mais que ele se chateie com a zoação, assim que ele se livrar desse item, o problema esta acabado, fazendo o preconceito ser algo que o branco "porta" e suporta se quiser, enquanto nós não temos escolha. Se a pessoa branca quiser continuar usando os trajes afros e der de ombros para o que as pessoas dizem, tudo bem, tudo lindo porque não vai doer profundamente nela.
A pessoa branca não carrega uma carga histórica e cultural pra se ofender profundamente com isso. Quem sofrerá os danos será o preto mais próximo que desde pequeno teve sua cultura sequestrada e foi impedido de seguir em frente com ela, só ficou de canto assistindo pessoas brancas usarem e abusarem, e agora que por ação afirmativa recorre aos adornos afro- culturais, vira piada. Entendem porque pro branco é uma fantasia, uma performance e porque isso é um agravante e não uma suavizada no racismo? Nós não podemos "pegar leve" nas denuncias, não podemos relevar. e sinceramente, em muitos casos de racismo envolvendo pessoas adultas, também não é possível educar. Eu acredito muito mais na educação do que a aplicação correta das leis do nosso país. Por isso, acredito que precisamos continuar fazendo um bom trabalho na educação, cuidar das nossas crianças e adolescentes, revisar os livros, apontar os autores do passado e presente que produzem material racista, e assim nossos problemas diminuem continuamente. nossas heranças africanas, não há ainda espaço pra descanso, infelizmente. Nós não podemos bater palma pra branco dançar, porque no fim da dança quem terá calos nas mãos somos nós, pretos.
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